FEBEM/Fundação Casa: O horror permanente e o silêncio de todos!
Givanildo Manoel - Tribunal Popular
Nos 23 anos de Estatuto da
Criança e do Adolescente se discutiu e se discute muito sobre o que os
adolescentes fizeram durante a história. Mas, e o que nós fizemos e
temos feito com eles?
Quando a tortura entra em cena: A mídia burguesa e a falsa denúncia
Se achávamos que os
espetáculos dos suplícios públicos cessaram com o fim da Idade Média,
nos enganamos. A mídia burguesa tem disseminado estes espetáculos,
criando cenários para denuncias legítimas, mas utilizadas pela mídia
como meio de ganhar audiência e de demonstrarem uma (falsa) preocupação à
defesa de direitos.
Isto se fez presente no último domingo, quando um dos programas de maior audiência
da Rede Globo revelou a milhares de pessoas que o assistem o que tantas
outras milhares de familiares e adolescentes vivenciam dentro dos muros
das instituições de internação. Dessa vez, as torturas que acontecem
contra os adolescentes internados na Febem/Fundação Casa, em São Paulo,
tomou a cena.
Pelos motivos errados e da forma errada, a
Rede Globo recoloca um debate que nunca saiu da vida das pessoas que
estão envolvidas em mais uma das tramas de uma sociedade de classes que
agoniza em sua estruturas e que apesar da incapacidade de responder as
necessidades do povo, continua a funcionar como se estivesse no começo
do século passado.
Frequentemente temos conhecimento de
casos de violência contra as unidades da Febem/Fundação Casa, seja por
meios de comunicação impresso ou pelo contato com familiares.
Frequentemente casos de tortura são denunciados por mães organizadas em
grupos ou não. Juízes, promotores e defensores públicos sabem com
bastante clareza a violenta realidade destas instituição, assim como
toda a sociedade tem conhecimento e vivencia na pela a política de
massacre conta a juventude.
Apesar de inúmeras denúncias, por que só
agora a Rede Globo apresentou esta situação? Colocar a questão em pauta
nada tem a ver com um interesse em assumir uma posicionamento de luta em
defesa dos adolescentes, pelo contrário – essa mesma emissora foi a que
fez grandes campanhas para a redução da maioridade penal junto
do Governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin. O que está
de fato em jogo é a espetacularização da situação a fim de responder
com migalhas a uma mudança editorial pressionada pela jornada de
atos durante o mês de junho.
Enquanto uma denuncia de tortura contra
os adolescentes é apresentada pela Rede Globo, outras várias
tendenciosas matérias são estrategicamente organizadas para criar
instabilidade e medo social a fim de legitimar uma política de
encarceramento em massa da juventude, apresentada pela emissora como
potencialmente perigosa e por isso a necessidade de se defender
políticas de neutralização destes setores da população.
O discurso midiático de defesa à
criminalização da juventude pobre fortalece a ideologia punitiva, que
clama e aplaude por mais prisões e mais tempo de pena. Foi assim que
Geraldo Alckmin se respaldou para defender a redução da maioridade
penal, tendo como garantia o papel ideológico da mídia a seu favor.
Este papel ideológico da mídia contra a
juventude consolida o estigma de criminoso e alimenta o populismo
criminológico, fazendo dos adolescentes bodes expiatórios das elites
para mascarar os reais problemas sociais e crimes políticos- econômico
cometidos pelo Estado.
Os adolescentes pobres, então, tornam-se
os culpados pela violência, virando parte de noticiários diários. O
papel ideológico que a mídia exercer em defesa da manutenção
da sociedade de classes tem, portanto, estigmatizado a juventude
pobre, tratada como perigosa e como culpada pelos problemas da
violência social. Ao mesmo tempo, vezes ou outra, esta mesma mídia que
massacra a juventude, se demonstra “aberta” a mostrar as violações de
direito, mas se recusa a mostrar as próprias violações cotidianas que
ela mesma comete ao manipular e posicionar-se em defesa de um projeto
societário de barbárie contra a humanidade.
Política para a infância e a juventude na história: Cadeia ou caixão?
O massacre contra a
infância e a juventude pobre, filha da classe trabalhadora, é histórica.
Do extermínio e desculturação indígena ocasiona pelos jesuítas, tendo
como alvo para tal as crianças indígenas; das violências contra as
crianças negras no período escravocrata, da exploração da força de
trabalho das crianças e jovens nas primeiras fábricas até às primeiras
políticas “correcionais”, temos uma histórica marcada por violência
contra o público infanto-juvenil. E os passos dessa história brasileira
de massacres tem continuado e se reestruturado enquanto política da
elite, que se organiza a partir de duas máximas para a juventude: cadeia
ou caixão.
O genocídio e o encarceramento em massa
fazem parte de uma política do Estado Democrático de Direito Penal, que
estabelece parametros legais, na própria lógica da democracia liberal
burguesa, para garantir o controle dos filhos da classe trabalhadora. Na
ocasião, nos atentaremos a questão da situação dos adolescentes
encarcerados, desvelando a verdeira situação dos meninos e meninas
presas que repete a mais de um século, com a Casa dos Expostos, para
atender as crianças abandonadas, que passa pelo SAM –Serviço de
Atendimento ao Menor, o Pró-Menor , FEBEM e por fim Fundação Casa.
FEBEM/FUNDAÇÃO CASA
“Eu vejo um futuro/ repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades…” (Cazuza. O tempo não para)
Quem, com mais de 40 anos, não se lembra
das violentas ações do Comissariado de Menores? Eram homens vestidos de
preto a serviço do Juizado de Menores, os quais saiam às ruas para, de
forma arbitrária, encarcerar os filhos da classe trabalhadora, sem que
nenhuma justificativa fosse apresentada além do fato dos mesmos estarem
nas ruas, em local e horário que o juiz julgasse inadequados.
Estávamos em contexto de Ditadura
Militar, período em que o controle contra os trabalhadores e seus filhos
tornou-se um problema da Segurança Nacional, sendo criada a Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM), que originou as Fundações
Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEM´s) – ambas fruto do Plano
Nacional de Bem Estar do Menor.
Especialmente com a instituição das
FEBEMs, há um marco no atendimento e na estruturação da violência
institucional praticada contra as crianças e os adolescentes, pois é o
momento da instrumentalização desta violência de estado já que além de
sofisticar a violência com os métodos utilizados contra os adultos,
sustentou a violência com base na construção do mito de que o povo
brasileiro não é violento, e sim um povo pacifico, cabendo as práticas
de violência ao estado e sem nenhuma reação do povo.
Dentro desse binômio (violência do estado
e passividade do povo), a violência do estado se agravou contra o povo e
se institucionalizou em definitivo, sujeitando qualquer reação
contrária a ordem estabelecida a práticas de extrema violência e
repressão.
Essa máxima violência é a insígnia que
constrói a Política Nacional do Bem estar do Menor, agravando ainda mais
a já dramática situação dos adolescentes que se desviam da ordem ou que
estariam abandonados a sua própria sorte.
Mesmo dentro dessa lógica, os grupos que
atuavam no atendimento de crianças e adolescentes questionavam tal
contexto e passaram a denunciar as torturas, que já no começo da década
de 70 evidenciava-se a falência dessa política, o que leva a organização
da CPI do Menor de 1976, apontando todas as questões que ainda hoje são
alvo de denunciadas: maus tratos, torturas, mortes, condições
de habitabilidade, ausência de atendimento a saúde, educação
deficitária etc.
Esta situação começa a ganhar alguma
importância quando a militância envolvida na luta pela democracia assume
também a luta pelos direitos da criança e do adolescente, desencadeando
nos artigo 226 e 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) em 1990, que propôs uma série de mudanças no olhar
e tratamento relacionado aos meninos e meninas, principalmente no
reconhecimento de um outro status jurídico e político.
Crianças e adolescentes deixam de ser
tratados juridicamente de forma diferenciadas entre filhos da classe
trabalhadora e da burguesia, rompendo com a dicotomia existente entre
“menor” (filho dos trabalhadores) X “criança e adolescente” (filho da
burguesia) , e ainda reconhece a cidadania burguesa para as meninas e
meninas, admitindo ser sujeitos de direitos, não tutelando a sua
cidadania e estabelecendo uma serie de necessidades para que o seu
desenvolvimento em fase peculiar pudesse acontecer.
Apesar de ter sido um avanço em
decorrência das legislações anteriores e a construção de toda a
estrutura e concepção de política necessária para que fosse efetivada
plenamente, os governos brasileiro nunca implantaram a lei de fato,
criando todo tipo de resistência político e legal para não garantir
universalmente a cidadania burguesa.
O ECA, apesar de ter sido um avanço em
diversos aspectos, capitulou ao aspecto punitivo, o que é uma
contradição em decorrência principalmente da ação dos promotores e
juízes que contribuíram na elaboração do texto da lei, ficando essa
contradição entre a garantia de direitos e a permanência do aspecto
punitivo das lei anteriores, reforçando a cultura punitiva do estado e
tornando-se pedra no meio do caminho da efetivação dos direitos.
Foi o que aconteceu nos anos
subseqüentes, com a própria recusa dos governantes em cumprir a lei, só
admitindo o respeito quando os aspectos punitivos estivessem
aprimorados, mesmo assim não respeitando o que é de sua
responsabilidade.
A lógica punitiva, muito embora possa ser
lida de forma diferente da interpretação legal que é dada (ou seja
quando um adolescente comete um ato infracional, ele recebe uma medida
socioeducativa) em tese, a medida deveria ser aplicada para o conjunto
da sociedade que não cuidou para que os direitos das crianças e dos
adolescentes fossem cumpridos, principalmente aplicadas contra os
governantes. No entanto, essa não é a interpretação que tem sido dada,
sendo responsabilizado única e exclusivamente o adolescente e de tabela
a sua família.
Em contrapartida, nenhum governante até
hoje foi responsabilizado por não ter efetivado o ECA, já o contrário
não é verdadeiro visto que os adolescentes que acabam cometendo ato
infracional em decorrência de não ter os seus direitos respeitados é
punido pelo seu ato e pelo crime cometido pelo governante, este último
por não ter cumprir com a lei.
Assim, em São Paulo, apesar dos grandes
esforços dos militantes que atuam na defesa dos direitos da criança e do
adolescente, que anos seguidos elaboraram propostas (1995- na OAB-SP,
1997 – FUNDAP, 1999-Assembléia Legislativa, 2007 – Fórum Estadual DCA-SP
entre outras), o governo de São Paulo, comandado pelo PSDB nunca se
dignou a ouvir as propostas dos militantes, principalmente durante as
cinco últimas gestões .
Por outro lado, a estrutura da FEBEM
serviu para diversos interesses: foi o grande cabide do BANESER e DERSA
por muitos anos, que gerou diversas denuncias, que tornou em cinzas a
memória do que aconteceu com a instituição durante anos, no oportuno
incêndio da sede da FEBEM, na época localizada no no Tatuapé (1993),
quando o governador era Orestes Quércia, principal artificie dessa
política de cabide de emprego utilizando-se da FEBEM.
Mas, foi nos anos do PSDB que se
intensificaram todos os desmandos da instituição, chegando no pico
midiático em 1999, com as mortes, torturas e a reação dos adolescentes
se rebelando contra os desmandos que eram cometidos contra eles em nome
da “ordem”. Práticas que contrariavam todos os fundamentos da Lei, sendo
comparado com os campos de concentração nazista pela OAB, Ministério
Público entre outros, que relatavam os horrores que passavam os
adolescentes na instituição.
Naquele ano, ocorreram diversas ações de
diversos órgãos, também diversas bravatas do governador Mario Covas e
afirmação do desrespeito a lei de sua parte, que nunca respeitou o ECA,
violando-o reiterada e sistematicamente.
Esse ano (99) ficou marcado
principalmente pelo fim do Complexo da FEBEM da Imigrantes (que contava
com mais de dois mil adolescentes), em decorrência da situação
insustentável que sofriam os adolescentes, motivo para mais de uma
dezena de rebeliões. A Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA) 46 de 1996, determinava que o número
máximo de adolescentes por unidade de internação, não poderia
ultrapassar os 40, que deveriam ser separados pela compleição física,
gravidade do ato e pela idade.
Neste mesmo ano, diversos militantes e
órgãos passaram a pedir a extinção da FEBEM, sendo aprovado nas
conferências dos direitos da criança e do adolescente essa proposta, sem
que os governos dessem a menor atenção para os diversos apelos e ações
nesse sentido.
Todas as mudanças que foram feitas pelo
governo paulista eram “mudanças para não mudar”, ou seja, as rebeliões
se repetiam e demonstravam à população o descompromisso com a
infanto-adolescência do PSDB. O cenário de imagens de adolescentes nos
telhados das unidades, depois contidos e torturados tornou-se uma
rotina, até que o Governador Geraldo Alckimin, decidiu incorporar a
FEBEM na sua doutrina de segurança pública, transferindo do sistema
prisional Berenice Maria Giannelli ( diretora da Fundação Casa desde
então) que havia participado do processo de descentralização das
unidades do sistema prisional.
A FEBEM foi blindada com uma assessoria
de imprensa que passou a monitorar e responder a qualquer noticia que
surgia, alterando o nome da instituição em 2005 e realizando a edição
da portaria 90 que passou a impedir a entrada de entidades e órgãos
para fiscalizar a instituição, respondendo com a criminalização
de entidades e militantes de direitos humanos para que estes
se silenciassem sobre o que acontecia dentro dos muros e grades da
então Fundação Casa.
Todas essas ações do governo do PSDB
contou com o silêncio obsequioso da imprensa que poupava Geraldo
Alckimin,futuro candidato a presidência da República. O que não estava
previsto no script daquele ano era o desfecho da ação que corria há
alguns anos na Corte Interamericana de Direitos Humanos em decorrência
das unidades do Tatuapé , o qual determinou oito medidas provisórias que
o estado brasileiro deveria cumprir em relaçãoa FEBEM.
No ano seguinte, o CONANDA aprovou um
desastre para os direitos da criança e do adolescente com o Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), vendido como sendo o
que precisávamos para solucionar os problemas nas unidades de
internação, mas que, na verdade, se constitui de uma reedição da velha
FUNABEM de 1964 e seu Plano Nacional do Bem Estar do Menor.
A militância de São Paulo foi a única
contrária ao SINASE. Muitos militantes diziam que era preciso entregar
os anéis para não entregar os dedos, porém a pratica no sistema
capitalista é que só o dedo nunca bastou e em relação aos meninos e
meninas filhos da classe trabalhadora, dedos, mãos, corpos e almas nunca
foram pagamentos suficientes.
O governo petista, ao contrário da ação
enérgica que se esperava em relação a cobrança do cumprimento da decisão
da Corte ao estado de São Paulo, foi absolutamente leniente e a um
acordo que nunca foi cumprido. O governo de São Paulo aderiu ao SINASE,
que também não se concretizou como o previsto, nem mesmo no mais básico
como quanto a mudança na arquitetura horizontal da instituição proposta
pelo documento, sendo construída o oposto, à partir da sua presidente
e determinação do governo, a verticalização das unidades conforme são
do sistema prisional, configurando unidades como verdadeiros caixões,
já que os quartos ficavam entre a área de lazer que fica na parte de
cima e o refeitório, que fica na área de baixo, ou seja, se há
ocorrência de rebelião com focos de incêndio nos quartos os adolescentes
não terão nenhuma segurança para escapar.
Os governos Federal e Estadual, ao longo
desses anos se esforçaram para convencer a Corte Interamericana de que
os direitos das crianças e dos adolescentes foram respeitados com o
cumprimento das 8 medidas, sendo a verdade o seu contrário. Porém, o
interesse do governo petista era a defesa da sua posição na geopolítica e
proteger não só o governo do PSDB , mas os seus governos aonde ocupavam
o mandato, que também não cumpriram (E não cumprem) o previsto na lei.
Logo, a omissão e cumplicidade do governo federal se impõe na proteção
dos seus interesses em detrimento dos direitos dos adolescentes presos.
O fim dos grandes complexos e a
descentralização das unidades se justificou para um melhor atendimento e
para que o adolescente cumprisse a medida de internação próximo de sua
casa, o que na verdade não acontece em vista do alto número de
adolescentes de cidades vizinhas ou de regiões do interior em unidades
da capital. O debate da descentralização ao invés de trazerem a público o
questão sobre a desinstitucionalização dos adolescente e a necessidade
da garantia dos direitos fundamentais serviu ainda como aparato legal
para justificar a manutenção do encarceramento juvenil e a construção de
mais vagas e unidades novas, espalhadas pelo estado, sendo muitas a
partir da lógica parceria público privado, precarizando não apenas o
atendimento aos adolescentes como também o trabalho exercido pelos
trabalhadores destas unidades.
A descentralização das unidades da
Febem/Fundação Casa não sufocou o grito da juventude que nunca deixou de
se expressar, mas passou a não ser foco da grande imprensa visto que os
motins não se compravam ao tamanho daqueles dos tempos dos grandes
complexos, sendo jogado panos quentes e abafado rapidamente.
Atualmente vemos a continuidade do
histórico massacre contra os adolescentes, bem como a conivência dos
governos estaduais e federais para com as frequentes torturas que
acontecem fora e dentro dos muros das instituições de privação de
liberdade. A Febem/Fundação Casa é a marca de uma política contra o
público infanto-juvenil que se perpetua pelas violências físicas e
psicológicas contra os adolescentes e seus familiares, estes últimos
também coagidos e silenciados pelo corpo técnico para que não se rebelem
contra a violência do estado.
No entanto, mesmo que haja uma
intimidação para que as denuncias não atinjam ambito publico, o povo
brasileiro, diferente do mito disseminado, se coloca a frente para
desmascarar as violações de direitos, documentando estas em registros em
órgãos públicos (Defensoria Pública, Ministério Público e etc). Mas o
que cabe também afirmarmos é que, mesmo que hipoteticamente as denuncias
não viessem a público por parte dos familiares e de entidades de
direitos humanos, todos aqueles que adentram os portões das unidades de
internação veem claramente o clima de tensão e de violência que ocorre
no local.
A mortificação dos adolescentes pelos
cortes de cabelos e vestuários já estigmatizados, o não respeito a
orientação sexual (nomes sociais não podem ser utilizados dentro das
instituições, bem como a entrega de cuecas a unidades femininas e
vice-versa), a desconsideração a especificidade de gênero, a não
permissão do diálogo, o cabeça baixa e mão para trás, o sentar no chão
durante horas com a cabeça baixa entre os joelhos dobrados, somado aos
“senhor e senhora” a todo o momento já indica muito que os direitos ali
além de não saírem do papel ficaram pro lado de fora das muralhas. Não
precisa ser especialista em direitos da infância para notar o massacre e
a lógica estigmatizante dos cárceres juvenis, pautados no autoritarismo
instrumentalizados dos vários setores que completam o quadro da
unidade.
Se promotores, defensores, juízes,
governadores e a presidente da Febem/Fundação Casa se indignaram agora
com o ocorrido é porque estão não só ausentes da realidade das
instituições como coniventes as torturas, sendo então também torturadores, e
se não os mandantes desses massacres.
A ironia se dá quando o governador do
estado ainda coloca como alternativa para solução deste problema nas
unidade a instalação de câmeras para o monitoramento, quando isto já
existe em boa parte das unidades e que não evita a violência, sendo o
sangue derramado nos espaços onde o campo de visão das câmeras pouco
alcançam.
Isto foi o que ocorreu no ano de 2011, na
unidade Jatobá, da Raposo Tavares, quando os adolescentes foram
brutalmente violentados. As denuncias por parte de familiares e
movimentos sociais foi intensa, havendo a presença do subcomitê contra a
tortura da ONU para a visita ao local. Familiares e adolescentes
insistiram em ver as gravações das câmeras de segurança do dia em que as
torturas foram cometidas, mas até então não tiveram o acesso a este
material. Nesta ocasião, a organização dos familiares resgatou o
enfrentamento de luta das mães do período da Febem, ocasionando na queda
da então diretora da Unidade. Porém, as violências não cessaram
mediante a entrada de outros responsáveis que tinham como prática
“pedagógica” a ameça e a agressão física.
Além de ficar claro o caráter político da
instituição, fica também notável o quanto a responsabilização pelas
ocorrências das unidades caem somente sobre as costas de trabalhadores,
também violentados pela lógica do sistema de justiça juvenil, enquanto
os verdadeiros responsáveis pela manutenção da história de massacre
contra a juventude aparecem para “lamentar” o ocorrido e para
elaborar políticas ainda mais violentas, como no caso da redução da
maioridade penal.
Com o desvelamento da história, vemos que
a denuncia realizada neste último final de semana, repercutido pela
grande imprensa, nada mais é o que ocorre há anos e cotidianamento
dentro dos muros das unidades de internação e notadamente respaldado
pelos atuais governos federal e estadual a partir de uma política que
indica dois C´s aos adolescentes: cadeia ou caixão.
O casamento duradouro: Estado social e Estado penal contra a adolescência
Passados oito anos da
alteração do nome da instituição Febem/Fundação Casa, a realidade dos
adolescentes permanece a mesma, agora mais mascarada, silenciada e
fortalecida com a lógica do Estado democrático de direito penal que se
organiza a partir da repressão e do encarceramento em massa contra a
classe trabalhadora, a fim de produzir e reproduzir as desigualdades
sociais.
O encarceramento em massa dos adultos e
dos adolescentes faz parte de uma política de “união estável” entre o
Estado Social e o Estado Penal, de modo que estes não se configuram como
opostos, e sim como unidade para o controle da classe trabalhadora,
seja através políticas e serviços sociais meritocráticos, que estão
ainda cada vez mais precarizadas; seja pelo fortalecimento dos aparatos e
agentes de repressão.
Neste contexto, as instituições
prisionais se enquadram de maneira central dentro dos mecanismos de
controle social que objetiva produzir e reproduzir as desigualdades
sociais sendo instituição acessória das fábricas. Ou seja,
diferentemente do discurso oficial que se preza quanto ao processo da
pena de prisão para a “ressocialização”, ”reeducação” de adultos e
adolescentes, a função real das prisões é sustentar a desigualdade
social da sociedade capitalista.
Elabora-se, portanto, legislações a
partir dos aparatos da Justiça burguesa em defesa prioritária a
propriedade privada, o que sustenta uma ideia de crime a partir dos
interesses burgueses. Com isto, a seletividade penal se ancora e joga
para dentro das prisões aqueles estigmatizados que servem como bode
expiatório para esconder a podridão real da sociedade de classes,
individualizando os problemas estruturais da violência urbana.
Jovens, negros e pobres são então
acusados como responsáveis pela instabilidade e medo social, ao tempo em
que o Estado se mantém como aquele capaz de executar a justiça através
da penalidade destes indesejáveis.
Ao invés de se firmar ações que garantam
as políticas sociais básicas para a sobrevivência da juventude, são
fortalecidos ainda mais elementos de controle e de punição contra os
adolescentes, seguindo os passos da Justiça Penal dos adultos. Assim, as
medidas socioeducativas em meio aberto se aproximam do objetivo de
controle “a céu aberto” das tornozeleiras de monitoramento e das penas
alternativas dos adultos.
Com falsa aparência de abertura dos
cárceres, estas medidas tem servido apenas como mais uma das inúmeras
possibilidades de se controlar, estigmatizar e punir os adolescentes.
Com as medidas socioeducativas em meio aberto não se deixou de
encarcerar mais no meio privado, pelo contrário, atualmente mais de 9
mil adolescentes estão presos nas unidades da Febem/Fundação Casa ( sem
contar aqueles que cumprem medidas em meio aberto).
O número de adolescentes em privação de
liberdade só tem crescido e tido suas penas aumentadas com a
determinação judicial de penas acumuladas (por exemplo, o adolescente
recebe uma medida de internação, e quando sai deve cumprir mais um
período de tempo na medida em meio aberto,estipulado pelo juiz, e
controlado pela equipe técnica). Essas reconfigurações do modo de
penalizar os adolescentes pobres faz parte de toda uma política que tem
entupido os cárceres e trilhado caminhos para que o futuro dos
adolescentes da FEBEM/Fundação Casa receberam sua carta de indicação
para a transferência direta aos Centros de Detenção, em uma sistemática e
continua prática de criminalização d a pobreza e trancafiamento
daqueles que o estado deveria se responsabilizar.
As saídas para estes problemas é
qualificarmos o debate e nos mantermos em luta contra a sociedade
capitalista, denunciando e responsabilizando toda a corja que aplaude a
cada adolescente morto, a cada adolescente preso. É denunciando a
conivência dos governos federal e estadual que historicamente massacrou a
infância e a juventude e colocando a público quem são os verdadeiros
criminosos a partir de uma perspectiva proletária de crime. O Estado
burguês é crime! A tortura, o racismo, a homofobia, o etnocentrismo são
crimes!
A propriedade privada é crime!
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