Mutirão em hospital psiquiátrico descobre sentenças indevidas
31/05/2012 - 00h20
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/19637-mutirao-em-hospital-psiquiatrico-descobre-sentencas-indevidas
Joacir
Alves da Cruz tinha apenas 21 anos quando foi internado no Complexo
Médico de Pinhais, em Curitiba – único local do estado do Paraná que
abriga presos com problemas mentais. Há duas semanas, prestes a
completar 57 anos, Joacir conseguiu sua liberdade após seu caso ter sido
revisto durante uma inspeção do mutirão de medidas de segurança do
Projeto Justiça no Bairro Carcerário. Foram 36 anos, 5 meses e 9 dias de
cárcere por tentativa de homicídio e roubo. “Se tivesse sido condenado
por esses crimes, ele teria pego no máximo 10 anos; o que ocorre é
desumano; uma sentença eterna”, avalia o juiz Moacir Antônio Dala Costa,
da II Vara de Execuções Penais de Curitiba, que pela segunda vez
implementou o mutirão no hospital psiquiátrico de Pinhais, seguindo o
exemplo dos mutirões de medidas de segurança iniciados pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
Ocorrido nos dias 10 e 11 de maio, o mutirão descobriu outros casos
de internação com tempo indevido. Dos 431 casos avaliados, 108 não
precisavam continuar internados e foram encaminhados para outras
instituições ou voltaram para casa. “Descobrimos 46 internos com alvará
de soltura, um deles datava de 2005”, revelou o juiz. No mutirão, foram
descobertos casos de internos cumprindo medida de segurança, há mais de
20 anos, por furto de barras de chocolate e invasão de domicílio. Foi o
caso de Francisco Celestino, internado em maio de 1981 – na época com 23
anos. Na sentença que o trancafiou, o juiz afirmava que embora que não
ficasse comprovado nenhum ilícito penal, aplicaria medida de segurança
nele presumindo sua periculosidade.
“Ele ficou internado 31 anos sem ter praticado nenhum crime junto com
matadores em série, psicopatas, estupradores. E os hospitais
psiquiátricos se destinam a esses casos efetivamente perigosos, que
representam de fato um risco à sociedade”, explicou o juiz da I VEP,
Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior, que também participou do mutirão.
Mutirões antimanicomiais – “O mutirão tem uma
importância fundamental na realização da Justiça. A maioria das pessoas
internadas nos hospitais psiquiátricos são extremamente pobres e, assim
como os presos comuns, são tratados de forma omissa pelo Estado. É
preciso haver residências terapêuticas para acolher essa gente que
muitas vezes não pode mais voltar pra casa, mas também não merece a
prisão”, afirmou o juiz auxiliar do CNJ Luciano Losekann, coordenador
dos mutirões carcerários e de medidas de segurança promovidos pelo
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF)
do CNJ.
Em 2010, o CNJ realizou o Projeto Eficiência na II VEP, auxiliando a
vara na organização dos processos, a partir dali os servidores se
entusiasmaram e iniciaram os mutirões que já encaminharam para
tratamento psiquiátrico em liberdade centenas de internos. O objetivo do
mutirão é manter no Complexo apenas os pacientes submetidos a medidas
de segurança por ilícitos penais graves e considerados perigosos. Para
isso, estão sendo feitos convênios com clínicas particulares para
receberem os pacientes.
Até o final de julho, a Secretaria de Ação Social do Paraná deverá
encaminhar 50 internos que não possuem mais vínculos com a família para
uma clínica psiquiátrica localizada no interior do estado. A medida foi
tomada após convênio do governo com as secretarias de Ação Social, de
Justiça e de Saúde; a previsão é que o estado pague à clínica R$1.200
por mês por interno. Nos hospitais, o custo de um interno é mais alto;
R$ 2.500/mês para o estado. Outros 46 foram entregues aos seus
familiares e outros 12 restantes – beneficiários da Previdência Social –
foram encaminhados para instituições para receberem tratamento
psiquiátrico.
Corcel – Em 2011, o CNJ recomendou aos tribunais que
nos casos de penas envolvendo pessoas com problemas de saúde mental
sempre que possível elas possam ser cumpridas em meio aberto. A
Recomendação nº 35 está em concordância com os princípios da Lei nº
10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental.
Questionado pelos juízes que participaram do mutirão sobre seu maior
desejo, Joacir comentou que era “comprar um Corcel”, automóvel que parou
de ser fabricado ainda na década de 80. Antes de deixar a instituição –
onde entrou em 1975 – Joacir se disse animado em voltar após “os dois
anos de reclusão; agora, estou com 23 anos”, disse ele, revelando ter
perdido a noção de tempo decorrido. “É uma vergonha para nós, sociedade
organizada perceber que o tratamento para essas pessoas muito pouco
mudou. Temos de repensar a situação dos pacientes psiquiátricos e fazer
algo verdadeiramente humano por eles”, lamentou o juiz do CNJ.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias
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